Artigo: O pior cego

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Por: Rodrigo Segantini*

No começo do século passado, um corretor de seguros que fazia parte da associação comercial de sua cidade percebeu que, se em vez de se reunirem apenas para bater papo e discutir negócios, os empresários locais se envolvessem em atividades que pudessem ajudar suas comunidades, isso poderia ter impacto suficiente para resolver vários problemas que afligiram a humanidade. Foi assim que Melvin Jones, na Chicago dos anos 1920, propôs a criação dos Lions Club e difundiu sua ideia por todo o mundo.

O Lions Club chegou a Taquaritinga em 1965 e, desde então, tem feito um trabalho brilhante em prol de nossa cidade. Um de seus serviços mais destacados é o Hospital de Olhos Manoel Dante Buscardi. Atendendo prioritariamente a população mais carente por meio de convênios com o SUS e com entidades assistenciais, o Hospital de Olhos vem ao encontro de um programa internacional mantido pelo Lions, chamado Sight First, instituído em 1989, para combater todos os males da visão que podem dar causa à cegueira evitável.

O Hospital de Olhos foi inaugurado em outubro de 1995 contando com a parceria da Unicamp. A proposta era que o Lions de Taquaritinga manteria as instalações e a Unicamp administraria o hospital e prestaria os serviços médicos. A parceria funcionou bem até 2005, quando foi desfeita. Em um gesto de enorme coragem, o Lions Club assumiu tudo sozinho para manter o funcionamento Hospital de Olhos e seu sonho de prevenir a cegueira.

Desde então, a gestão do Hospital foi cada vez mais aprimorada, chegando a um ponto de excelência que o tornou referência não apenas na área oftalmológica, mas também no sistema de saúde e na prestação de assistência social, reconhecidamente nacionalmente por todos que conhecem a entidade. Foi assim que o Hospital de Olhos, que já era motivo de orgulho para os taquaritinguenses, conquistou o coração e o carinho de todos não só de nossa cidade, mas de toda a região, já que atende com o mesmo zelo a todos os moradores das cidades vizinhas.

Porém, nesta semana, o Hospital de Olhos trouxe a público uma notícia péssima: a Prefeitura de Taquaritinga não tem feito com regularidade os repasses que deveria de recursos federais e estaduais que deveria lhe remeter por meio do SUS e nem mesmo tem honrado os acordos que fez para quitar os débitos em aberto, o Hospital de Olhos teve que deixar de atender o SUS.

Evidentemente, não se tratou de uma opção do Hospital de Olhos, e sim de uma necessidade.

Se a Prefeitura não paga pelos procedimentos que são feitos pelo SUS, alguém tem que pagar, já que não existe nada de graça nesta vida. O Hospital aguentou até onde deu, consumindo seus recursos próprios, contando com a boa vontade dos sócios do Lions e com a colaboração da população…

Chegou-se a seu limite e se deparou com uma encruzilhada: ou fecha-se o Hospital, ou deixa-se de atender o SUS. Para que o Hospital possa seguir existindo, escolheu deixar de atender o SUS.

Quem precisar de atendimento particular ou por meio de convênio médico, pode procurar pelo Hospital de Olhos e pela excelência de seus serviços. Quem não pode procurar o Hospital de Olhos (pelo menos por ora) é quem precisa do SUS – e quem precisa do SUS é quem não pode pagar pelo convênio médico e nem pelo atendimento particular.

Ou seja: quando a Prefeitura de Taquaritinga não honra seus compromissos com o Hospital de Olhos, o prejudicado é o povo mais carente, mais pobre, que é justamente quem mais sofre com problemas de saúde oftalmológica e de cegueira evitável.

Uma verdadeira lástima. Por mais caótica que esteja a situação da cidade, jamais poderia a Saúde ser deixada em segundo plano a ponto de um hospital ter que encerrar o atendimento pelo SUS por falta dos devidos repasses obrigatórios, que não poderiam ser destinados para qualquer outra coisa. Se esse dinheiro, que é carimbado, não está sendo empregado onde deveria, fica a pergunta: onde é que o dinheiro da Saúde, onde é que os repasses da Saúde estão sendo aplicados que não seja na própria Saúde?

Todo mundo está vendo a calamidade em que Taquaritinga está. A pobreza grassa por todos os lados da cidade e alcança desde os bolsos dos funcionários públicos até os cofres das entidades. Lamentavelmente, ao invés de encontrar soluções, há um forte empenho do governo municipal em buscar desculpas e pedidos de desculpas. Enquanto isso, autoridades, deliberadamente, preferem fingir que não estão vendo nada disso. De fato, o pior cego é aquele que não quer ver. Quando o Hospital de Olhos estabelece que não atenderá mais o SUS, o que está fazendo é tentando devolver a visão da realidade para esses que tampam o sol com a peneira. Tomara que consigam, pois a população precisa do SUS, precisa do Hospital de Olhos.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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